palavras de ursa

Wednesday, November 24, 2010

Todo o nada



Nicole Kidman desvanecida sobre a mesa de um banquete que ainda não começou, fastosamente mascarada de cortesã do Antigo Regime e a quem parece apertar o corpete ou talvez a rotina dos dias sempre iguais. Com esta fotografia começa “Todo o Nada”, a exposição que dedica o Museu Thyssen-Bornemizsa de Madrid a Mario Testino, considerado um dos mais importantes e influentes fotógrafos da actualidade, um guru da moda que quando quer publica na Vanity Fair, W ou Vogue, acede à realeza mundial (a ele devemos a sessão fotográfica que consagrou definitivamente Lady Di como a Princesa do Povo) e tem o poder de elevar ao estatuto de divindade global mulheres como Sienna Miller ou Daria Werbowy.
É o último acontecimento da temporada,  o must go total do fim deste ano madrileno que reúne, como fiéis devotos ansiosos de beleza, fashion victims, modernos, senhoras a roçar os sessenta anos e os quarenta quilos, supostos trendsetters, amantes da fotografia e adoradores da moda, lambedores de montras e decoradores da Harper’s Bazar, todos eles num silêncio quase monacal e que deveria de servir de exemplo para qualquer visitante dos museus do mundo. Ao lado de Nicole, está pendurado um retrato imenso de umas debutantes londrinas que em 2006 esperavam ansiosas o primeiro baile, o primeiro beijo escondido atrás das cortinas do salão, as primeiras mãos que lhes envolvam a cintura juvenil e, quem sabe, lhes desabotoem lentamente esses vestidos de alta costura.
Porque é disto que trata “Todo o Nada”: cinquenta e quatro retratos de mulheres bonitas – modelos, actrizes, celebrities – que vão tirando a roupa. Cada sala da exposição funciona como um espectador silencioso de um striptease de luxo e os visitantes somos convidados a participar neste exercício de voyerismo e desnudez, como se nós, uns vulgares, rechonchudos e mais que vestidos mortais, estivéssemos à altura das pernas e os rabos que ali se expõem. Conforme avançamos vemos como as modelos se vão despojando dos vestidos, camisas e sutiãs, peça a peça, pestana a pestana, até chegar à caída do vestido de Gisele Bunchen ou às mamas fabulosas de mulheres mais fabulosas ainda como Lara Stone, Claudia Schiffer ou Kate Moss, quem um pouco mais à frente provoca o espectador arregaçando a saia e mostrando umas cuequinhas que transparentam pouca vergonha e uns nada tímidos pêlos púbicos.
E assim se sucedem os corpos de estas Vénus do virar do século, numa explosão de ancas, peitos que se tapam com pulseiras de diamantes, calças de ganga descaídas, coxas que se contorcem entre lençóis e botas que funcionam como as únicas peças de roupa. Que gozo, que capacidade de sacar o melhor de cada uma das modelos, que naturalidade, penso ao ver estas fotos, como se não soubesse que atrás de cada uma delas existe uma equipa de maquilhadores, estilistas, cabeleireiras, esteticistas, designers, assistentes de produção e demais seres humanos cuja única missão na vida consiste em fazer magia transformando uma mulher bonita num objecto de desejo universal capaz de enfeitiçar qualquer espectador indefeso. Aliás, Mario Testino não tem problema nenhum em afirmar que é fã do photoshop e da cirurgia estética (para a realidade já nos bastam os telejornais), pelo que a sucessão de retratos destas ninfas supremas não chega para me deprimir com a confrontação da banalidade do meu próprio corpo necessitado, esse sim, de algum que outro retoque digital. Aqui só não se conforma quem não quer.
Até chegar à última fotografia. De costas, completamente nua sobre uns saltos impossíveis, está Demi Moore, provando que não há photoshop que valha quando se é dona do rabo mais soberbo de Hollywood. Reduzida à minha insignificância olho para aquelas nádegas e compreendo finalmente o funcionamento do Universo, a teoria da relatividade de Einstein e até o fora-de-fogo. O poder desta mulher está concentrado, não na maquilhagem, nem na produção estilística, mas sim nuns glúteos férreos que desafiam as leis da física, da lógica e da gravidade e que claramente lançam o repto: “Tenho 48 anos. Olhem para o meu rabo. Agora escolham: tudo ou nada.”

Tirado daqui.

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