“Este é o dia que o Eterno fez”
Por Boaz Gabriel Canhoto, em Jerusalém
(ver 60 anos de Israel na Rua da Judiaria)
Ainda a tinta das assinaturas na Declaração de Independência de Israel não tinha secado e, cinco nações árabes (Egipto, Transjordânia [actual Jordânia], Síria, Líbano e Iraque) alinhavam as suas tropas frente às fronteiras demarcadas pela ONU, prontas para invadir o recém-criado Estado Judaico. A estratégia árabe era simples e previa que a derrota judaica seria alcançada num prazo de uma ou duas semanas apenas.
Isto foi há 60 anos. Israel ficou abalado. Resistiu. Triunfou. Alguém religioso não nega o magnífico “dedo de Deus” presente em muitos dos momentos históricos destas seis décadas em Israel. Mesmo os cépticos certamente se perguntam como esta pequena nação, composta na sua maioria por refugiados, conseguiu erguer um país como o Israel do presente. Um puzzle social confuso, composto de peças dificilmente ajustáveis: judeus e árabes, religiosos e seculares, sefarditas e askenazitas, ex-soviéticos, americanos, etíopes, peruanos, filipinas e tailandeses.
O “milagre israelita” não é fantasia. É conhecida a metáfora do pequeno território composto, ainda há menos de um século, por pântanos e desertos, transformado num fértil jardim. As coisas não acontecem por acaso. Tudo - tudo mesmo - em Israel funciona à custa de muito suor e engenho humano. E fé. Da irrigação dos campos ao trânsito na auto-estrada.
Vim pela primeira a Israel em 1999. Queria passar dois meses das minhas férias de Verão no país, gastando o mínimo de dinheiro possível. Ser voluntário num kibbutz foi a opção ideal. Sem conhecer ninguém no país, sem falar nada da língua local. (Valeu-me o meu inglês.) À chegada, a surpresa: um país verdadeiramente moderno. É certo que já tinha visto imagens de Israel na TV, mas ao vivo é outra sensação. Os arranha-céus de Tel Aviv. Um mito destruído de imediato: a influência americana era quase inexistente. Cartazes publicitários em hebraico! Como era possível viver num país moderno sem usar uma língua ocidental? Peço desculpa pelo eurocentrismo idiota.
Nessa altura, o meu interesse em Israel já não era meramente turístico ou mesmo cultural. Eu estava a bater à porta do Povo de Israel. Nos meus planos, mesmo desconhecendo inteiramente o alcance desse ideal, estava uma conversão ao Judaísmo. Passaram-se anos até voltar a pisar a Terra Santa. Na segunda visita, de apenas 11 dias, o meu processo de conversão já dera muitas e difíceis voltas, mas finalmente começara a tomar forma.
Em apenas quatro meses estaria de volta. Para sempre. Nem eu sabia à partida. Conseguira uma vaga num curso oficial de conversão ao Judaísmo, nos arredores de Jerusalém. Sem trabalho fixo em Portugal, sem ter uma família para sustentar, pouco me prendeu em casa. Fiquei seis meses no curso de conversão e entretanto entrei numa yeshiva. Pela primeira vez, entrei a fundo no mundo religioso judaico.
Sem planos para ficar em Israel, a princípio planeei ficar apenas 6 meses. Ir, converter-me, voltar. As minhas identidades portuguesa e judaica pareciam perfeitamente equilibráveis. O retorno à minha vila da Batalha foi estranho. Eu era um estranho. Foi um regresso a casa, apenas de visita. Fui um turista na minha terra natal. Foi um alívio voltar a Jerusalém.
As mudanças são muito rápidas e radicais para quem vive por estes lados. Em 2005, chegara quando ainda se sentia em força o abalo da destruição dos colonatos de Gaza. Passei cá a Segunda Guerra do Líbano, com os telefonemas quase diários da minha mãe, aterrada com as violentas imagens da guerra transmitidas pela televisão. Implorou-me para voltar para casa. Tentei, como podia, descansá-la. “Que iria eu fazer a Portugal?”, pensei. Não queria sair naquela hora difícil. Não queria ter problemas para voltar, caso saísse.
Frequentemente recebo mensagens de amigos em Portugal que me pedem para voltar. Alegam que esta não é a minha terra. Que não tenho nada a fazer por aqui. Que o meu lugar é em Portugal. Entendo o ponto de vista deles. Um emigrante é visto como um ente temporariamente distante. Não conhecem a essência da emigração para Israel. Afinal, transplantar as raízes para um novo lugar é sempre um choque, também para a terra deixada vaga. Israel foi recém reimplantado nesta terra. Recém, se lembrarmos a cadeia de mais de 3500 anos de história judaica. Todos os que, como eu, decidiram viver aqui, são parte deste novo e impressionante reflorescimento judaico na Terra de Israel.
Estou em Israel há menos de três anos. Como judeu, há quase dois. Como cidadão, ainda não completei sequer um ano. Casei por cá, há exactamente um mês. Não me consigo imaginar a viver, de forma permanente, noutro lugar. Ao fim de um ano de aliya, dentro de alguns meses, vou poder tirar o passaporte israelita. Um ano de israelita em 60 anos de Israel.
Nota: O título provém de um versículo entoado na recitação de Halel, o conjunto de cânticos de louvor a Deus entoados nos dias mais alegres do ano. O Dia da Independência de Israel é um desses dias.
Tirado daqui.
(ver 60 anos de Israel na Rua da Judiaria)
Ainda a tinta das assinaturas na Declaração de Independência de Israel não tinha secado e, cinco nações árabes (Egipto, Transjordânia [actual Jordânia], Síria, Líbano e Iraque) alinhavam as suas tropas frente às fronteiras demarcadas pela ONU, prontas para invadir o recém-criado Estado Judaico. A estratégia árabe era simples e previa que a derrota judaica seria alcançada num prazo de uma ou duas semanas apenas.
Isto foi há 60 anos. Israel ficou abalado. Resistiu. Triunfou. Alguém religioso não nega o magnífico “dedo de Deus” presente em muitos dos momentos históricos destas seis décadas em Israel. Mesmo os cépticos certamente se perguntam como esta pequena nação, composta na sua maioria por refugiados, conseguiu erguer um país como o Israel do presente. Um puzzle social confuso, composto de peças dificilmente ajustáveis: judeus e árabes, religiosos e seculares, sefarditas e askenazitas, ex-soviéticos, americanos, etíopes, peruanos, filipinas e tailandeses.
O “milagre israelita” não é fantasia. É conhecida a metáfora do pequeno território composto, ainda há menos de um século, por pântanos e desertos, transformado num fértil jardim. As coisas não acontecem por acaso. Tudo - tudo mesmo - em Israel funciona à custa de muito suor e engenho humano. E fé. Da irrigação dos campos ao trânsito na auto-estrada.
Vim pela primeira a Israel em 1999. Queria passar dois meses das minhas férias de Verão no país, gastando o mínimo de dinheiro possível. Ser voluntário num kibbutz foi a opção ideal. Sem conhecer ninguém no país, sem falar nada da língua local. (Valeu-me o meu inglês.) À chegada, a surpresa: um país verdadeiramente moderno. É certo que já tinha visto imagens de Israel na TV, mas ao vivo é outra sensação. Os arranha-céus de Tel Aviv. Um mito destruído de imediato: a influência americana era quase inexistente. Cartazes publicitários em hebraico! Como era possível viver num país moderno sem usar uma língua ocidental? Peço desculpa pelo eurocentrismo idiota.
Nessa altura, o meu interesse em Israel já não era meramente turístico ou mesmo cultural. Eu estava a bater à porta do Povo de Israel. Nos meus planos, mesmo desconhecendo inteiramente o alcance desse ideal, estava uma conversão ao Judaísmo. Passaram-se anos até voltar a pisar a Terra Santa. Na segunda visita, de apenas 11 dias, o meu processo de conversão já dera muitas e difíceis voltas, mas finalmente começara a tomar forma.
Em apenas quatro meses estaria de volta. Para sempre. Nem eu sabia à partida. Conseguira uma vaga num curso oficial de conversão ao Judaísmo, nos arredores de Jerusalém. Sem trabalho fixo em Portugal, sem ter uma família para sustentar, pouco me prendeu em casa. Fiquei seis meses no curso de conversão e entretanto entrei numa yeshiva. Pela primeira vez, entrei a fundo no mundo religioso judaico.
Sem planos para ficar em Israel, a princípio planeei ficar apenas 6 meses. Ir, converter-me, voltar. As minhas identidades portuguesa e judaica pareciam perfeitamente equilibráveis. O retorno à minha vila da Batalha foi estranho. Eu era um estranho. Foi um regresso a casa, apenas de visita. Fui um turista na minha terra natal. Foi um alívio voltar a Jerusalém.
As mudanças são muito rápidas e radicais para quem vive por estes lados. Em 2005, chegara quando ainda se sentia em força o abalo da destruição dos colonatos de Gaza. Passei cá a Segunda Guerra do Líbano, com os telefonemas quase diários da minha mãe, aterrada com as violentas imagens da guerra transmitidas pela televisão. Implorou-me para voltar para casa. Tentei, como podia, descansá-la. “Que iria eu fazer a Portugal?”, pensei. Não queria sair naquela hora difícil. Não queria ter problemas para voltar, caso saísse.
Frequentemente recebo mensagens de amigos em Portugal que me pedem para voltar. Alegam que esta não é a minha terra. Que não tenho nada a fazer por aqui. Que o meu lugar é em Portugal. Entendo o ponto de vista deles. Um emigrante é visto como um ente temporariamente distante. Não conhecem a essência da emigração para Israel. Afinal, transplantar as raízes para um novo lugar é sempre um choque, também para a terra deixada vaga. Israel foi recém reimplantado nesta terra. Recém, se lembrarmos a cadeia de mais de 3500 anos de história judaica. Todos os que, como eu, decidiram viver aqui, são parte deste novo e impressionante reflorescimento judaico na Terra de Israel.
Estou em Israel há menos de três anos. Como judeu, há quase dois. Como cidadão, ainda não completei sequer um ano. Casei por cá, há exactamente um mês. Não me consigo imaginar a viver, de forma permanente, noutro lugar. Ao fim de um ano de aliya, dentro de alguns meses, vou poder tirar o passaporte israelita. Um ano de israelita em 60 anos de Israel.
Nota: O título provém de um versículo entoado na recitação de Halel, o conjunto de cânticos de louvor a Deus entoados nos dias mais alegres do ano. O Dia da Independência de Israel é um desses dias.
Tirado daqui.
1 Comments:
At 10:52 pm, August 18, 2009, Boaz Gabriel Canhoto said…
E tirado daqui (http://claramente.blogs.sapo.pt/60748.html)também.
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